Neyde Veneziano afirma, em “Não adianta chorar: o teatro de revista brasileiro... oba!”, que, a despeito do afã brasileiro de imitar tudo o que se produzia nos Estados Unidos, no que toca ao cinema nacional nós deixamos de lado a cópia em prol do escracho.
A verdade dessa afirmação é verificada tão logo vemos um filme da Dercy Gonçalves. “A baronesa transviada” (1957) é um bom exemplo de produção que se aproveita do ritmo das comédias musicais norte-americanas para subvertê-lo com elementos muito brasileiros. A influência do nosso teatro de revista é patente, e ela é temperada com algumas características do gênero melodramático, que são, no entanto, sempre lidas sob a óptica da comédia. Dercy é Gonçalina, “enjeitadinha” desde o berço, que se descobrirá herdeira de uma baronesa que está com o pé na cova. Aliás, os eufemismos utilizados pelos personagens para se referirem à morte são impagáveis: “apitar”, “ir pras cucuias”, “esticar os cabos”, “bater o pino”, “arriar as canelas”, e o inacreditável “fritar o bolinho para viajar”, pronunciado por Grande Otelo, foram os que eu consegui anotar. A exploração de palavras da mesma raiz também garante algumas risadas, como as informais “pinta grossa” (?) e “pinta brava” (pessoa que inspira receio), que aparecem enquanto procuram a filha da baronesa, cujo sinal de reconhecimento é uma pinta que a menina tem “dividindo a alcatra”.
Depois de ter lido uma porção de mágicas, vaudeviles, revistas e revistas de ano, eu pensei que já tinha visto tudo em matéria de exploração de duplos sentidos e metáforas sexuais, mas estava muito enganada até ontem. O “bacalhau com rabanada” que a nova baronesa oferece ao seu convidado é o píncaro da esculhambação – se é que eu posso dizer assim...
Os tipos são também nossos. As comédias musicais hollywoodianas têm as mocinhas puras e os galãs apaixonados – que ocupam o papel de protagonistas – e os bobalhões. Nós temos o português, que explica, por meio de seu acento característico, que jogou a filha da baronesa no lixo para se desfazer dela – e nem sequer pensou na possibilidade de alguém encontrá-la; o “mão quebrada”, parente da baronesa que tem um "defeito" na mão, e gera um rebento saltitante e com voz afeminada; o negro Benedito, pequenino e muito matreiro. Também temos nossa versão da garota ingênua e apaixonada, mas quem dá as cartas na comédia não é ela, e sim nossa protagonista escrachada, que dança com Humberto Catalano um tango desengonçado numa época em que Fred Astaire e Cyd Charisse fascinavam as telas com seus românticos números de dança.
A história corre, por vezes, de modo artificial, devido à preocupação dos artistas com a pronúncia atenta de cada palavra – o que se deve à influência dos palcos – e à enorme quantidade de gags. Os números musicais não têm, na maioria das vezes, uma boa integração com a história. Mas alguns personagens são muito divertidos, as músicas são bacanas, e a Dercy Gonçalves é a Dercy Gonçalves. O filme vale muito a pena. Sobretudo para que possamos conhecer uma época do cinema nacional em que o público ia em peso ver as produções.
A verdade dessa afirmação é verificada tão logo vemos um filme da Dercy Gonçalves. “A baronesa transviada” (1957) é um bom exemplo de produção que se aproveita do ritmo das comédias musicais norte-americanas para subvertê-lo com elementos muito brasileiros. A influência do nosso teatro de revista é patente, e ela é temperada com algumas características do gênero melodramático, que são, no entanto, sempre lidas sob a óptica da comédia. Dercy é Gonçalina, “enjeitadinha” desde o berço, que se descobrirá herdeira de uma baronesa que está com o pé na cova. Aliás, os eufemismos utilizados pelos personagens para se referirem à morte são impagáveis: “apitar”, “ir pras cucuias”, “esticar os cabos”, “bater o pino”, “arriar as canelas”, e o inacreditável “fritar o bolinho para viajar”, pronunciado por Grande Otelo, foram os que eu consegui anotar. A exploração de palavras da mesma raiz também garante algumas risadas, como as informais “pinta grossa” (?) e “pinta brava” (pessoa que inspira receio), que aparecem enquanto procuram a filha da baronesa, cujo sinal de reconhecimento é uma pinta que a menina tem “dividindo a alcatra”.
Depois de ter lido uma porção de mágicas, vaudeviles, revistas e revistas de ano, eu pensei que já tinha visto tudo em matéria de exploração de duplos sentidos e metáforas sexuais, mas estava muito enganada até ontem. O “bacalhau com rabanada” que a nova baronesa oferece ao seu convidado é o píncaro da esculhambação – se é que eu posso dizer assim...
Os tipos são também nossos. As comédias musicais hollywoodianas têm as mocinhas puras e os galãs apaixonados – que ocupam o papel de protagonistas – e os bobalhões. Nós temos o português, que explica, por meio de seu acento característico, que jogou a filha da baronesa no lixo para se desfazer dela – e nem sequer pensou na possibilidade de alguém encontrá-la; o “mão quebrada”, parente da baronesa que tem um "defeito" na mão, e gera um rebento saltitante e com voz afeminada; o negro Benedito, pequenino e muito matreiro. Também temos nossa versão da garota ingênua e apaixonada, mas quem dá as cartas na comédia não é ela, e sim nossa protagonista escrachada, que dança com Humberto Catalano um tango desengonçado numa época em que Fred Astaire e Cyd Charisse fascinavam as telas com seus românticos números de dança.
A história corre, por vezes, de modo artificial, devido à preocupação dos artistas com a pronúncia atenta de cada palavra – o que se deve à influência dos palcos – e à enorme quantidade de gags. Os números musicais não têm, na maioria das vezes, uma boa integração com a história. Mas alguns personagens são muito divertidos, as músicas são bacanas, e a Dercy Gonçalves é a Dercy Gonçalves. O filme vale muito a pena. Sobretudo para que possamos conhecer uma época do cinema nacional em que o público ia em peso ver as produções.
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