domingo, 30 de março de 2014

A Música Nunca Parou (2011)

Antes de tudo a música, disse Verlaine naquela síntese perfeita da arte simbolista que é “Arte Poética”. 
O poeta fala da musicalidade dos versos. Pede a imagem vaga, solúvel e cinza; os olhos semiescondidos pelo véu; a nuance; o lusco-fusco. Mas podemos flanar com suas asas da literatura ao cinema, que é também uma espécie de música, cujos planos-notas se costuram em busca de sentidos que são, tantas vezes, mais sensórios que pragmáticos. 
O cinema desde quase sempre se serviu dessa sua meia-irmã que é a música. Na recente produção da qual me ocupo agora, ele o faz não apenas no que toca à trilha sonora; transforma a música no tema central da trama. 
“A música nunca parou” é um melodrama. Aproveita-se, portanto, plenamente do sentido primordial do vocábulo que define o gênero: "drama acompanhado de música". As canções o inundam (assim como, não raras vezes, inundam-se os olhos dos espectadores, comovidos mais pelo incompreensível cadinho de emoções que a música suscita que pela ação melodramática). 
A música tolhe a análise crítica objetiva, isenta. Falo muito com o coração e pouco com a razão. Li há pouco que mesmo Freud enxergava, na música, um componente sexual que não podia explicar de modo pleno. Já Mário de Andrade, um largo conhecedor de música, atrela-a ao que há de universal, seu caráter evanescente contrapondo-se às tão objetivas palavras (que, em sua concretude, limitam o entendimento às fronteiras geográficas). 
O elemento emocional inerente à música é trabalhado com afinco por esta obra norte-americana de 2011 (dirigida por Jim Kohlberg, roteito de Gwyn Lurie e Gary Marks) que chega ao Brasil com três anos de atraso. 
Ela ficcionaliza sobre um caso clínico verídico, reportado pelo Dr. Oliver Sacks, caso no qual a poesia de M. Verlaine faz-se obra: “o indeciso se une ao preciso”. A Exata ciência médica dá a mão à arte para tratar do sujeito (Lou Taylor Pucci) que perde, para um tumor, as porções do cérebro responsáveis por formar novas memórias e dar acesso às antigas. Os acordes iniciais da Marselhesa – que o rapaz se põe a tocar aparentemente por acaso – colocam-no no caminho de uma músico-terapeuta (Julia Ormond). Outro acaso fará a estudiosa descobrir que a responsável por tirar o rapaz da inação é All you need is love, canção dos Beatles que abre com os tais acordes. 
Ajudada pelo repertório musical dos anos 60, a terapeuta executará a exegese no cérebro do moço. A história se passa nos 80. Vinte anos antes, ele era um jovem que o rock and roll talhara à aventura. Joplin, Beatles e Dylan levaram-no efusivamente do pai conservador (J. K. Simmons) até a tão propalada liberdade. Quereria o destino que pai e filho fossem reunidos pelos mesmos músicos, agora fantasmas impressos nos bolachões. 
A história bonita é contada com delicadeza por um melodrama clássico – muitos flashbacks apresentam o público ao pai que ensina ao filhinho o cancioneiro norte-americano; e ao rapaz rebelde a quem os ídolos do rock ensinam o repúdio à guerra e ao status quo
A música de um e/ou d’outro tempo irá tocar o espectador com mais ou menos força, devido à mesma forma de associação que salvará o rapaz da perda de sua história. Eu me lembrei de como, onde e por que escutei Beatles, Doris Day, Bob Dylan e Judy Garland pela primeira vez, e inundei o cinema... E porque a agulha da fantasia tece as memórias usando-se de moldes originalíssimos, o rosto de Julia Ormond, a músico-terapeuta da história, me levou até os meus 16 anos – áureos tempos em que eu não tinha uma tese com que me preocupar –, à trilha sonora de sua “Sabrina” e à Paris de 2012, na qual vivi como que em sonho, mesmo tendo habitado lá pessoalmente...

5 comentários:

Maira Albuquerque disse...

Oii
Não assisti esse filme, embora não saiba por que, pois eu lembro de ter visto o trailer e me interessado pela estória rs adorei seu texto bjs

ganhar curtidas facebook disse...

Muito bom o post vou sempre visitar seu blog !!

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Maira, veja o filme que você vai curtir!

Bjs e obrigada pelo elogio! Obrigado a você também, anônimo com pinta de spam ;D

Maira Albuquerque disse...

vou ver sim, obrigada pela dica! Adorei o "anônimo com pinta de spam" hahahaha bjos

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

:D :D Maira.

Bjocas