domingo, 26 de junho de 2011

Meia-noite em Paris (2011): comediazinha simpática para público cult

Woody Allen volta com maior fôlego depois de dois fiascos artísticos, o over the top “Tudo pode dar certo” (Whatever works, 2009) e o amargo “Você vai conhecer o homem dos seus sonhos” (You will meet a tall dark stranger, 2010). É certo que a fase dourada da carreira do diretor ficou nos anos 70 e 80 – com brilhos esparsos pontuando trabalhos posteriores, como “Vicky, Cristina, Barcelona” (2008), que julgo ser o seu filme mais interessante dos últimos cinco anos. O que não quer dizer que ele esteja completamente fora de forma. Artista prolífico e digno, Allen consegue imprimir sua marca em suas obras. Nunca produz filmes medíocres tendo em vistas unicamente o lucro – prova disso é o fracasso de bilheteria de muitas de suas produções em sua terra natal. Neste caso, não é diferente. “Meia-noite em Paris” é um típico Woody Allen – para o bem e para o mal. É um Allen acima da média – portanto, vale a visita no cinema – sem, todavia, ser uma obra-prima. Seu público fiel poderá se divertir, pois revisitará, neste filme, o melhor que o diretor já produziu para a sétima arte.
Allen ainda produz uma obra “autoral” nesta época em que parâmetros meramente mercadológicos norteiam o grosso da produção cinematográfica americana: os conflitos amorosos, a visão apaixonada e nostálgica à arte, a cidade vista como protagonista da história, o humor filosófico. Esses elementos são como peças de um quebra-cabeça, ordenados e reordenados pelo diretor em cada produção. O problema é que a ideia de “autoria” é muitas vezes usada como muleta, transformando a criação artística no emprego de uma série de procedimentos em direção a um fim já conhecido. Inegavelmente isso é seguro. Porém, tirar a ousadia da equação não faz o jogo ficar sem graça? Conjecturas como estas acabarão tomando conta do cinéfilo que conhece um pouco da produção de Allen assim que ele se deparar com “Meia-noite em Paris”.
O filme abre com planos gerais da cidade de Paris enquanto a banda sonora pespega no público uma canção antiga tocada numa vitrola. Ao fim da música, uma tomada da personagem de Owen Wilson – roteirista cinematográfico de sucesso irremediavelmente apaixonado por Paris – e da namorada recostados na amurada de uma das famosas pontes parisienses: “Essa cidade é uma maravilha. Você não acha Paris maravilhosa? Eu queria viver aqui” é mais ou menos o que ele diz.
Os sucessivos planos gerais de pontos turísticos da cidade, o trabalho do protagonista, o teor do discurso com que abre o filme, a música antiga, tudo isso remete claramente a “Manhattan” (1979). Em “Manhattan”, Isaac (Woody Allen) é um roteirista televisivo frustrado que joga para o alto seu emprego seguro para se tornar romancista; em “Meia-noite em Paris”, Gil (Owen Wilson) é um roteirista cinematográfico frustrado que idem. As canções do norte-americano George Gershwin costuram “Manhattan”; as canções do norte-americano Cole Porter costuram “Meia-noite...”.
Mais que um trabalho “autoral”, Allen faz aqui cópia de si mesmo. Se não é um problema para quem desconhece a filmografia do autor, isso deveras desconcerta quem a conhece. Eu fui uma das desconcertadas, não porque persiga sua obra, mas porque casualmente havia revisto seu canto de amor à Nova York um dia antes de ver seu canto de amor a Paris. Não fiquei muito confortável com a sensação de déjà-vu que reiteradas vezes me acometeu, talvez porque a melodia maravilhosa que soa do filme de 79 torna-se, neste, impostação inócua: como se Ella Fitzgerald, depois de entoar um de seus melhores Cole Porters, passasse seu microfone para mim (eu sou super desafinada).
Seguindo o paralelo entre ambos os filmes – Allen obriga-me a fazê-lo – Owen Wilson é, em “Meia-noite em Paris”, alter-ego do diretor. Corrijo-me: Wilson é o próprio Allen, que tenta transformar o autor em versão perfeita do que ele fora em seus melhores papéis (“Annie Hall” e “Manhattan”). Sejamos sensatos: como Woody Allen, só Woody Allen. E olhe lá... Perdoamos o tipo casmurro e nerd por meio do qual, nesses dois grandes filmes, conhecemos os conflitos sexuais da intelectualidade dos anos 70, porque Allen conseguiu através deles se transformar num personagem por vezes cativante. Owen Wilson não tem esse mesmo poder, não porque ele seja pior ator que Allen, mas porque o tipo que socialmente consolidou (de personagem tola de farsas tolíssimas) não dá credibilidade ao papel. Wilson não é tão bom ao ponto de fazer o público se esquecer das personagens que anteriormente desempenhou. Seu Gil torna-se uma colagem do cômico tolo com o casmurro nerd. Pelas mãos dele, Allen torna-se pastiche de si. Isso coopera para dar ao filme um tom farsesco que se estende para outros âmbitos.
O filme nos apresenta, grosso modo, dois núcleos: a Paris contemporânea e a Paris dos anos 20.
Do primeiro tomam parte a namorada do protagonista e os pais dela; a guia turística (Carla Bruni) e a vendedora de discos de Cole Porter. O segundo é composto por uma dúzia de artistas de todo o mundo que povoaram Paris depois da 1ª G.M.: Porter, Hemingway, Scott e Zelda Fitzgerald, Dalí, Bruñuel, Gertrude Stein etc. Os cenários da efervescente Paris dos 20 são magnificamente compostos. Há um cuidado quase que documental na composição da casa de Gertrude Stein (Kathy Bates) tal qual a descreveu Hemingway em “Paris é uma festa” (balanço nostálgico da juventude do escritor e da juventude da arte moderna concluída nos anos 60). Isso se estende para as frenéticas festas ao ar livre e libações noturnas ao som de composições musicais do período: o charleston dançado no parque de diversões e o bar no qual um Cole Porter safadinho canta a deliciosa “Let’s do it. Let’s fall in love” são verdadeiros festins para os nossos olhos (e ouvidos).
No entanto, isso nem sempre se revela num ganho dramático, já que tais ambientes não são suficientemente aproveitados para o desenrolar da história. Allen não transfere para sua película a importância que esse grupo teve na Paris daquele tempo. Esses artistas lançaram bases para a vanguarda cinematográfica – que objetivava fazer frente à produção convencional norte-americana; um tanto razoável da produção literária da época foi decidida em meio à algazarra, nos bares e festas e em casa da Madame Stein – que Hemingway pinta em todas as suas contradições em “Paris é uma festa”. Tais elementos estão ausentes do filme, que transforma os artistas em tipos caricaturados em traços grossos: Hemingway (Corey Stoll) parece a todo o momento estar posando para o retrato impresso em suas obras completas, além de repetir como mantra, ridiculamente, características definidoras de seu trabalho (“A linguagem tem de ser seca.” etc.); Dalí (Adrien Brodi) é uma perfeita casca dentro de um conteúdo que esvazia ao máximo o rótulo de “surrealista” dado à sua obra.
É curioso de se ver – ao menos para o público que conhece as referências; na sessão a que assisti, muitos abandonaram o barco antes do final e outros tantos saíram reclamando de terem perdido tempo – só isso. Do grupo, se salva Adriana, personagem fictícia desempenhada por uma ótima (como sempre) Marion Cotillard, mas sua delicadeza não consegue dar suficiente humanidade ao conjunto, já que ela pouco aparece em cena – e aparece nuns diálogos pouco inspirados.
O galho contemporâneo da história é composto por uma Rachel Mc Adams tão pobremente composta como os pais dela. Personagem plana, desagradabilíssima como a loira chata que, como seus progenitores, humilha o namorado de cabo a rabo da história: e ele estranhamente a segue como um cachorrinho.
A vivência empírica nos anos 20 – aliás, altamente tributária de “Rosa Púrpura do Cairo”, pois torna literal a metáfora da viagem no tempo proporcionada pela arte, como faz o filme de 1985 ao tratar do cinema – é costurada com razoável eficiência com o presente. A noção, implícita ao longo da história, de que o presente só é compreendido na distância temporal – o que o torna tão sedutor às próximas gerações – é escolarmente explicitada no desfecho, na cena em que a personagem de Marion bota ponto final à amizade colorida com o protagonista (a única coisa a dar calor humano à história) para viver na belle époque de 1890 – passado que tanto a seduzia.
Se isso está longe de compor um todo completamente descartável, compõe um em grande medida frustrante. Faltou ao diretor imprimir a “Meia-noite em Paris” o ritmo da cidade-luz do mesmo modo como ele fez em “Manhattan” com a cidade homônima. O apego a um passado de sucesso artístico perigosamente mostra um Allen que tem pouco a oferecer no futuro.

27 comentários:

As Tertulías disse...

Dani, Dani... sua "danada"!!!! ah, voce é maravilhosa... adoro tuas "visoes": que angulos mais maravilhosos voce sempre nos apresenta... queria um dia ir com voce ao cinema... para ver um pouco das coisas através dos teus olhos!!! eu sei que vou gostar desse filme, sabia? Mal posso esperar para ve-lo!!!!!
Beijos e obrigado... foi uma boa inspiracao apra comecar a nova semana!!!! (e amei essa versao de "Let's do it").
Beijos
Ricardo

Edison Eduarddo disse...

Vc sabe, né Dani??? Adoro quando no meio da sua resenha (todo alegre e faceiro) vc aparece com os "dejà-vus" (escrevi certo isso?) de um outro filme...

Dessa vez, parece mesmo que não só o diretor mas muitas coisas do filme têm a ver com o anterior só mudando a cidade... Uma pergunta: O filme vale pelas cenas em que Paris é mostrada??? Bom, confesso que vou esperar o DVD...

Noooooossa! Queria ver vc cantando depois da Ella... Bjão!!! Outra na mamãe!

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oie, Ricardo!

Querido, adorei suas palavras! Você curtiu a música de fundo? Segundo o youtube, é uma interpretação original do Cole Porter (provavelmente dos anos 30, a contar pela qualidade do som). Veja o filme e depois me conta o que achou dele! Confesso que fiquei frustrada porque, a contar pela reação da crítica dessas bandas, esperava que ele fosse ótimo. Porém, não me arrependi de tê-lo visto e o recomendo - embora recomende mais "Manhattan" e "Rosa Púrpura do Cairo", os verdadeiros grandes Allens, esses sim acima de qualquer suspeita...

Bjinhos e ótima semana para ti.
Dani

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oie, Edison!

Menino, de repente dou de cara com seu comentário! Que ótimo!!
Olha, minha interpretação de Cole Porter eu te mando num arquivo com senha por e-mail e você me jura que o deleta depois de ouvir... Já sentiu o drama, não?

O filme é um déjà vu (também apanho com a palavra) dos melhores momentos da obra de Allen, o que o torna num só tempo recomendável (já que não é ruim) e frustrante (já que muitos são melhores). Esperar o DVD é uma boa. A fotografia é bonita, mas há muitos outros filmes melhores em que isso também ocorre.

Bjinhos e inté mais
Dani

ANTONIO NAHUD disse...

Daaaniii, que conexão!!! Achei exatamente isso, tintim por tintim: Allen faz uma cópia de si mesmo, as celebridades retratadas são caricatas, Owen Wilson não segura a peteca, a presença de Marion Cotillard é um alívio, MANHATTAN é mais uma vez revisitado...
Gostei!

O Falcão Maltês

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oie, Antonio!

Não é mesmo?! Divertida esse sintonia, não?

Não sei o que a crítica impressa viu de tão magnífico no filme. A Folha lhe deu 4 estrelas (ótimo) - não localizei a resenha que o jornal fez dele; como busquei-a no endereço online do jornal, calculo que não tenha sido escrita.

Depois desse filme, não espero mais nada de Allen.

Bjs e obrigada por comentar!
Dani

As Tertulías disse...

Eu considero alguna mais como "grandes": Annie Hall, Radio Days... Adoro os dois... também Interiors, um grande filme!!!!!!!!!

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oie, Ricardo!

Nunca vi "Radio days" e "Interiors". Vou procurá-los. Você sabe o quanto eu gosto de "Rosa Púrpura do Cairo", né? É meu preferido do Allen.

Olha, queria muito saber sua opinião sobre "Meia-noite em Paris". Promete que passa aqui para dizê-la depois que vir o filme? Estou curiosa!

Bjocas
Dani

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Anônimo, assina a sua crítica e junte argumentos concretos pra que eu dê algum crédito pra ela. Se bem que, a contar pela sua falta de sutileza, não sei se você teria condições de argumentar de modo sensato.

ANTONIO NAHUD disse...

Querida, veja RADIO DAYS e INTERIORES. São belíssimos, embora completamentes diferentes. O primeiro tem um toque de Fellini e o segundo de Bergman.
vc gosta de Marlene Dietrich? Apareça!

O Falcão Maltês

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oi, Antonio.

Vou vê-los sim. Logo também lerei a edição dessa semana do "Falcão Maltês"!

Bjs e até mais
Dani

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Amigos leitores:

Devido ao recebimento de um comentário ofensivo a respeito dessa postagem, de agora em diante farei a moderação dos comentários inseridos no blog. Peço desculpas por isso e espero não desestimulá-los a escrever. Divergências são obviamente bem-vindas, desde que fomentem um debate produtivo sobre os filmes discutidos.

Abraços e até logo.
Dani

M. disse...

Um amigo meu assistiu a este filme e comentou que um púlico comum não gostaria e tampouco entenderia esse filme. Quem conhece da arte e da literatura mundial, assim como a obra de Woody Allen é capaz de apreciá-lo. Ele disse que "meia noite em Paris" merece as cinco estrelas. Eu não sei o que dizer, pois não o assisti. Li o seu texto e vi que está uma apreciação crítica de primeira. Parabéns!

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oi, M!

Acho que seu amigo tem toda razão. Senti essa dupla reação na plateia com a qual eu vi o filme. As caricaturas dos artistas dos anos 20 tiraram risos de alguns que entenderam as referências; no mais, o público ficou apático ou simplesmente se mandou (eu, que estava sentada ao lado do corredor, vi mais de uma dúzia deixar a sessão). O problema é que Allen optou pela caricatura ao invés de aprofundar na construção das personagens - caso contrário, penso que não teria atrapalhado a citação que o diretor faz dos artistas dos anos 20.

Eu não costumo atribuir pontuação para os filmes, mas penso que deixaria esse na casa das 3 estrelas. Não é ruim mas está distante da grande produção do diretor. É uma comediazinha simpática...

Mas parece que nós e demais leitores que comentaram este post e o circularam no facebook somos notas dissonantes em meio à crítica que, unânime, ovacionou o diretor.

Bjs e até logo!
Dani

Edison Eduarddo disse...

Oi, Dani!!!!

Passei aqui pq não poderia deixar de te dizer: Essa semana contei 3 pessoas que me disseram que A-M-A-R-A-M o filme!!!

Tudo bem que são pessoas pra lá de românticas e tal e, pelo menos uma delas, estava interessada em reconhecer no filme lugares que visitou quando esteve em Paris!!!

Ehehehehe... E eu sempre dizia: Ah, a Danielle já comentou esse filme lá no blog dela!!!

O filme está bem cotado aqui em terras cariocas!!!! Um bjão... Edison

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oie, Edison!

Pois é, o filme está tendo uma aceitação extraordinária. Na semana passada, tomei um xingão aqui por causa desta resenha. Nenhum órgão "oficial" resenhou mal o filme... Fico tentando elencar razões para essa recepção positiva.

O filme é turístico. Tanto que seu amigo se empolgou por conseguir reconhecer, nele, lugares da cidade em que já esteve. Eu acho que a cidade é sub-aproveitada, assim como as personagens históricas dos anos 20. Quem conhece um pouco dos artistas citados por Allen, ou então conhece a cidade, tem com o filme a alegria do reconhecimento. Porém, pra mim o interesse do filme não passa disso.

É legal(zinho), mas deixa um gosto meio amargo na boca... Aqui no interior ele está tendo saudável vida útil nos cinemas. Não o desrecomendo, mas dos últimos que discuti aqui, sem dúvida eu aconselho "Potiche" - que por aqui ainda faz sucesso (já o vi 3 vezes...). Lá sim está tudo super no lugar.

Bjinhos e bom domingo! E muito obrigada por recomendar minha resenha :D.
Dani

Bru disse...

Oi Dani,

Demorei, mas aqui estou. Relatório pronto, Graças a Deus!

Sua crítica foi muito bem construída e seus pontos de vista, perfeitamente, justificados. Devo confessar que concordei com você em alguns aspectos, mas não em todos. Sei que não vou conseguir argumentar de forma tão brilhante como você sempre o faz, mas lá vamos nós...

Sobre as atuações, concordo plenamente com você. A sensibilidade de Marion Cotillard sempre me encanta. O Owen Wilson me decepcionou. Não que eu esperasse maravilhas de sua atuação, mas acredito que ele não deu conta das características de sua personagem; faltou um algo a mais que aprofundasse os desejos reais de Gil, que explicitasse melhor seu descontentamento em relação à profissão e à vida amorosa. Só não sei até que ponto a falha é do ator ou dos diálogos e continuações do filme.

Para mim, Allen é bom nos pequenos detalhes de seus filmes. Sua filmografia é uma montanha russa - nem sempre tão cult - de abordagens cinematográficas, que na diversidade patenteiam a assinatura única do diretor. Não vejo isso como um aspecto negativo; pelo contrário, me permite deliciar com as diferentes notas de enredos e personagens que não abandonam o seu clássico humor e sua forma peculiar de narrar. Em Sleeper (1973), com a lindíssima e jovem Diane Keaton, o humor exagerado e a caricaturização nos deixa entrever uma interessante abordagem das políticas ditatoriais e do desenvolvimento de computadores e seu impacto na vida cotidiana - assuntos em pauta na sociedade ocidental de 1970, em plena Guerra Fria. Em Love and Death (1975), a Morte (com direito a capa e a foice) se faz presente, assim como em Scoop (2005). Em outras películas "desinteressadas", desde o engraçado de Mighty Aphrodite (1995), o negro final de Match Point (2005), e o amor em The Curse of Jade Scorpion (2001), Allen não abandona o humor crítico que o caracteriza, seja como diretor ou ator.

Apesar de ser fã de plantão do diretor-ator-roteirista, não permiti que isso interferisse em minha apreciação de Midnight in Paris. Adorei o filme por vários motivos, principalmente por ser mais um filme à la Woody Allen. Com frequência, vasculhamos nossas memórias de infância e juventude, com boa dose de nostalgia, para revivermos o que fomos um dia. Do mesmo modo, Allen, em Midnight in Paris, resgata a efervescência artística de uma Paris que se foi. É lógico que a cidade-luz ainda é o centro da arte. Mas nem tudo é como antes.

Talvez "revisitação" seja a palavra que melhor sintetize a filmografia de Allen. Revisitação de si próprio - como diretor, roteirista e ator -, da história que as cidades carregam, da literatura, da arte. É isso o que me encanta em seus filmes e me faz esperar por sua próxima produção.

Querida, é sempre bom dialogar com você, detentora de bons argumentos e ideia críticas.

Bjos

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oie, Bruna.

Primeiro, sua danada, pode parar com a modéstia - sua crítica está muito bem construída! Teria uma dificuldade imensa de contra-argumentar, já que não vi uma porção desses filmes que você citou. Mesmo assim, vou tentar dialogar contigo a partir do que vi:

Primeiro, Owen Wilson. Acho que o problema do ator se deve tanto ao roteiro quanto à dificuldade dele de interpretar o alter ego de Allen. A crítica está incensando o desempenho dele, porém, ainda acho que ele não convence quando tenta deixar de lado a persona cinematográfica que impôs faz anos.

Como você, admiro o Allen, embora não seja fã de carteirinha. Minha reação ao filme vem, aliás, dessa admiração. Eu esperava mais do diretor. Concordo contigo sobre os elementos fundantes da cinematografia dele. Não acho que seja um problema o exagero, a caricatura, a farsa. "Scoop", por exemplo, se constrói a partir do absurdo. Porém, é um filme tão bem orquestrado: tem bom humor e charme na medida certa; tem personagens bem construídos e surpreende.

Chamei "Meia-noite em Paris" de cópia e não de revisitação porque achei pouco ousada a retomada que Allen faz dos elementos que lança noutros filmes. "Manhattan" está todo nele. O que Allen recria, recria para pior (a personagem de Carla Bruni é sensaborona, a da namorada do protagonista é um disco riscado que fica repetindo sempre as mesmas chatices). A ideia de trazer literalmente o passado para a história é muito boa, porém, muitos elementos são lançados e nada é trabalhado com suficiência (diferença brutal de "Rosa Púrpura do Cairo", outro filme em que há orquestração perfeita).

Achei-o curioso, divertido, mas o filme não suscitou aquela entrega emocional que outros do diretor suscitaram. Enfim, é um bom filme de Allen considerando os últimos que ele fez, porém, é meio frustrante considerando suas grandes obras. Porém, esse é só meu ponto de vista. O grosso da crítica aplaudiu-o de pé (o grande Ferreira Gullar fez ontem um baita elogio a ele); o IMDB lhe deu nota 8,1 ("Interlúdio", um dos maiores Hitchcocks, recebeu 8,2 no site)! Sou, portanto, nota dissonante.

Adorei seu comentário, Bruna! É sempre ótimo discutir as coisas contigo.

Bjs, querida
Dani

Faroeste disse...

Daniele:
Sei que vou desagradar a muitos com o que direi a seguir. Porém, nunca encontrei um espaço para dizer o que sinto por esta figura horripilante e intragável que se chama Woody Allen, e agora vou me desaguar; lamento, mas sou aquele cinéfilo que não se sente bem somente em ouvir falar neste nome. Quando estou catando sinopses na SKY, para escolher o que assistir, chego a me sentir mal quando me bato com algo que tenha a ver com este homem esquisito, tétrico, insuportável e muito desagradável. Até ouvir a sua voz me traz um desconforto tão absurdo que, rapidamente, corro para outro canal.
Nunca vi um filme com este ser e não verei jamais, porém não critico quem goste dele e assista o que faz. Como eu tenho o meu gosto, tenho que respeitar o dos demais.
Sinto muito aos que desagrado, mas o mundo cinematografico sem esta tal Allen, poderia ser muito mais bonito e leve.
jurandir_lima@bol.com.br

Faroeste disse...

Danielle:
Acabo de por seu blog entre os meus favoritos, ao lado de cinewesternamania, ofalcaomaltes, telaprateada, pardner, Cinema Classico e outros mais sobre a setima arte.
No entanto, eu vos peço me desculpar por alguns comentários que possa vos causar desagrado, assim como permito a ti o crédito da não exibição daqueles que julgue não estarem dentro de seu padrão de aprovação e julgamento.
Me refiro, principalmente, ao que acabo de fazer sobre Woody Allen ou outros que poderão advir dentro de semalhante padrão.
jurandir_lima@bol.com.br

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oi, Jurandir!

Primeiro, obrigada pelos comentários! Logo mais responderei com mais calma o que você escreveu sobre o post de "Crepúsculo dos deuses" - adorei o depoimento sobre a primeira vez em que viu o filme. Fico feliz por você ter gostado do blog e o incluído entre seus favoritos. Muito obrigada!

Será sempre um prazer publicar o que você comentar. Fiz aquele comentário acima sobre moderação porque recebi umas grosserias anônimas que me ofendiam diretamente (quer dizer, tentavam me ofender - eu sou dura na queda).

Seu comentário sobre Allen está online, assim como os comentários dos cinéfilos que o elogiam. Esse diretor é uma figura que motiva reações exaltadas de ambos os lados: isso se deve ao modo como ele moldou sua persona, então cabe a ele aguentar quem lhe faz oposição. Da minha parte, admiro muito alguns filmes dele e não acho graça nenhuma em outros. ´

Abraços e continue passando por aqui que será um gosto recebê-lo!
Dani

ANTONIO NAHUD disse...

Que bom, Dani! Selecionei três para que vc faça a escolha final: ROMEU E JULIETA (de Cukor), GLORIA SWANSON * CECIL B. DeMILLE e O CIGARRO NO CINEMA. Sim, vc tem os filmes de Gloria/DeMille citados? Vamos fazer novas trocas?
Tudo de bom,

O Falcão Maltês

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oi, Antonio!

Três posts antigos, que legal! Acho que "O cigarro no cinema" é o mais atual (vide o babado que aconteceu na vinda da Catherine Deneuve pro Brasil no mês passado). Eu ficaria entre ele e o Gloria & De Mille (tenho, sim, todos os filmes e gravo-os com prazer pra você). No post a respeito de Romeu e Julieta eu precisaria dar uma burilada. Bem, amanhã com calma releio os dois e aí te confirmo qual prefiro!

Bjs
Dani

Anônimo disse...

Dani:

Ótima crítica. Acabo de publicar a minha sobre o filme no Verdes Trigos. Achei que o filme é só uma transposição do doentio culto a celebridades de nosso tempo pro âmbito intelectual - saudosista dos "roaring twenties" de Paris. Allen já fez melhores. E não me conformo com ele ter dito na biografia dele por Eric Lax que Hitchcock era de segunda classe. Putz! Em que classe será que fica ele? Não me consta que ele tenha feito nada parecido com "Um corpo que cai" nem remotamente.

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oi, Chico!

Em primeiro lugar, me dê licença de divulgar aqui sua resenha do filme:

http://www.verdestrigos.org/wordpress/?p=3447#comment-2616

Achei-a sensacional porque não ela faz concessões (coisa que Allen infelizmente faz há muito tempo). Uma coisa é o esforço tendo por objetivo a produção da obra artística, outra é a auto-indulgência, a repetição mecanizada dos mesmos elementos tendo em vistas um fim já conhecido. Felizmente, não sou fã de ninguém ao ponto de deixar de separar o joio do trigo. Manhattan, A Rosa Púrpura do Cairo e Annie Hall são grandes filmes; Meia-noite em Paris é mediano.
Você tocou no xis da questão ao constatar que o filme recupera os anos 20 com o mesmo afã dos modernos cultores das celebridades. Agora, sem comentários isso que Allen diz sobre Hitchcock, hein! Eu ainda não conhecia a pérola. Bem, se Hitch é de segunda, então Allen é no mínimo de quinta. Assim estamos vingados!

Abraços e até mais.
Dani

Anônimo disse...

Continuo saindo como Anônimo por aqui, porque não sei usar o post direito, perdão.
Mas é isso mesmo - na biografia de Allen escrita sobre Allen, encontrei essa "pérola" aí. Talvez Hitchcock não fosse pretensioso e afetado o bastante para parecer suficientemente "artístico" pro Allen. Ele admira muito cineastas europeus como Bergman, Fellini e Buñuel e Hitchcock nunca posou de "artista superior", que me conste. Era sempre irônico quando o colocavam nas nuvens. Preferia ver-se como um diretor comercial competente, embora tenha sido mais artista do que muitos "artistas".

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oi, Chico.

Concordo contigo! Hitchcock compôs uma obra consistente sem que, para isso, tivesse de se repetir à exaustão. Também acho que o que o diferencia de Allen é a despretensão. Ele não aspergia na história um milhão de elementos de modo gratuito, apenas para causar sensação: costumava fazer cada elemento convergir para o sentido geral da obra. Mas isso pode soar simples para quem olha apenas a superfície.

Abraços e até!
Dani