Animador o conjunto de filmes que participa do páreo desta festa do Oscar. Além de “The Beasts of the Southern Wild” (Indomável Sonhadora), de Benh Zeitlin – sobre o qual o blog já deu notícia na segunda metade de dezembro –, três outros ótimos estão em cartaz há tempos por aqui: “Amour” (de Michael Haneke, filme austríaco que também compete pelo prêmio de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Diretor), “Argo” (de Ben Affleck) e “The Master” (de Thomas Anderson, que também concorre como Melhor Diretor). Quatro filmes muito diferentes, todos a demonstrarem grande domínio técnico de seus artífices. A seguir, notícia dos três cujos títulos encimam o post. Notícia em forma de folhetim, porque o tempo urge (mais il faut écrire...). Capítulo 1: “Amour”...
“Amour” (Amor)
Os últimos momentos de vida de um casal octogenário. Tema tratado já tantas vezes pelo melodrama ganha novo rosto ao passar pela objetiva dura, grave, alemã de Haneke – objetiva que o leitor encontrou pela última vez um par de anos atrás em “A Fita Branca”, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2010.
Trintignant e Isabelle Huppert, pai e filha |
O foco é posto sobre a esposa, pianista ainda entusiasta das artes. No primeiro plano da película a câmera a olha a partir do palco onde se apresentará seu ex-aluno, agora notório pianista. O plano de conjunto mal permite aos expectadores apreenderem-na sentada na plateia. A cena desenha metonimicamente a mise-en-scène de Haneke. Constantes no filme são os longos planos de conjunto, a câmera parada, a dificuldade de se penetrar os pensamentos dos personagens, de desvelá-los.
A câmera de Haneke estabelece uma relação dialética com a sua protagonista. Sua frieza, a recusa de reagir emocionalmente às situações, é também a da personagem de Emmanuelle Riva (que realiza um grande trabalho, com justeza colocado em destaque pela indicação ao prêmio de Melhor Atriz). A entrega da pianista à arte é antes uma devoção ao métier que uma paixão. Artista precisa que é, dá de costas ao piano e à vida quando a degeneração a impede de realizar sua arte com precisão.
O corpo paulatinamente paralisa-se, a mente falha. Ela precisa aceitar o auxílio do marido para se alimentar, das cuidadoras para realizar sua higiene pessoal. O penoso processo de envelhecimento é sublinhado pelas lentes de Haneke ao ganhar corpo através de uma personagem cuja característica dominante era a perícia técnica.
O marido (Jean-Louis Trintignant) é espectador privilegiado de seu esvaecer. Porque ele é seu oposto no que toca ao temperamento, não demora para que se torne paulatinamente também personagem a se decompor, junto dela. E aí, sonhos, delírios e devaneios passam diante da lúcida câmera de Haneke – momentos brilhantemente compostos estes em que a câmera objetiva torna-se subjetiva, plenamente mergulhada no cotidiano do casal em ruínas.