Dia 5, quarta-feira, 11 de outubro
Chegamos na metade da Giornate. O programa do dia (com cerca de 50’ de duração) é composto pela exibição de um conjunto de filmes britânicos preservados pela Filmoteca da Catalunha nos primeiros quinze anos da cinematografia: “Early British films from the Filmoteca di Catalunya, 1897-1909”. O acompanhamento musical é de John Sweeney.
Estamos aqui diante de um medium que se descobria e explorava todas as suas inúmeras potencialidades; na égide do “cinema de atrações”, que tanto fascínio despertou desde o público frequentador dos entretenimentos disponíveis nos maiores ou menores centros urbanos, até uma variada sorte de literatos do redor do mundo. Num diapasão dramático, em 1896, o escritor soviético Maxim Gorky refere-se a este cinema como o reino das sombras, lugar sem som e sem cor, habitado por espectros silenciosos e moventes (trecho mais longo desta bela crônica encontra-se aqui).
Um ano mais tarde, o cronista carioca Figueiredo Coimbra apreende este mundo com mais deleite. Encenando uma conversa de um jovem casal que assiste a uma sessão do “Animatógrafo Super Lumière”, no centro da cidade, ele procura destacar pelo viés do humor o que faltaria a este novo entretenimento:
— Viste bem essa rua de Londres?
— Vi!... É uma fotografia. Mas notei pouca animação, apesar das carruagens.
— Havia mais povo do outro lado.
— Que lado?
— O lado que se não via.
— Eu tinha desejo de ir lá, quando de repente a rua acabou.
— Foi um relâmpago, mas bastou, filhinha, para se poder calcular o que é Londres. Uma grande cidade, uma cidade enorme...*
Animatógrafo Super-Lumière, A Notícia. Rio de Janeiro, p. 4, 11-12 dez. 1897. |
Ao meter-se no meio dos acontecimentos, o este cinema recupera uma premência que é aquela da modernidade. Mais que isso, mostra que, embora seja um espetáculo que se venda muitas vezes dentro dos recintos teatrais, supera o teatro, ao sinalizar ao público a existência de um fora de campo. O cinema apontava para a existência daquilo que não podia ser visto. O objeto que fugia das vistas do público denotava a dimensão do mundo de modo muito mais contundente do que o teatro fizera até então.
Os primeiros anos da década de 1890 viram o nascimento de experimentos voltados a dar moção à imagem fotográfica, dentre os quais se incluem o Kinetoscópio de Thomas Edison e o Cinematógrafo dos Irmãos Lumière. O inventor inglês Robert W. Paul é outro desses homens. Seu “Animatógrafo” percorreu o mundo – embora o dispositivo comentado por Figueiredo Coimbra em 1897 denomine-se “Animatógrafo Super-Lumière”, provavelmente tratava-se de um exemplar do aparelho concebido por Paul.
O escopo temático dos registros de Paul assemelhava-se bastante àqueles colhidos pelos irmãos Lumière, mais conhecidos do público, e sinalizavam, como apontei acima, para uma série de caminhos: sketches cômicas, trucagens, phantom rides – cenas tomadas da frente dos veículos, que furavam o burburinho urbano –, desfiles e demais acontecimentos do dia a dia, panorâmicas de sítios históricos (a exemplo de Veneza) ou, ainda, de longas travessias de trem, a tomarem o cinema como o veículo de uma viagem sem sair do lugar.
* Fonte: F. C. (pseud. de Figueiredo Coimbra). Diálogos. A Notícia, Rio de Janeiro, p. 1, 11-12 dez. 1897.
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