segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Giornate del Cinema Muto de Pordenone 2023 – Dia 6


Dia 6, quinta-feira, 12 de outubro 

Nos últimos anos a Giornate vem homenageando a “Ruritania”, referência ao reino fictício da Europa central que foi palco do romance “O Prisioneiro de Zenda”. Esta fábula pariu outros tantos reinados igualmente fantasiosos dali por diante (curiosos, busquem pela palavra-chave neste blog para acessarem os demais textos a respeito dos filmes exibidos na Mostra com esta temática), a exemplo do principado de Silistria, onde se passa a história do longa alemão “Eine Frau Von Format” (“A Lady of Quality”, Fritz Wendhausen, 1928). Antes do longa foi exibido o curta francês “Ankunft Des Fürsten Wilhelm I. Zu Wied In Durazzo (Albanien) März” (1914), tematizando a família real dos Balcãs, espaço geográfico no qual se situam os filmes da “Ruritania” – daí o caminho de mão-dupla entre a ficção e a história que esses programas da Giornate procura estabelecer. A música ficou a cargo de Elaine Loebenstein. 
“Ankunft Des Fürsten Wilhelm I…” é composto por algumas tomadas da chegada do príncipe Wilhelm I na Albânia que não surpreendem pela criatividade, quando consideramos os filmes do tipo rodados então: a câmera toma verticalmente uma fileira de oficiais que esperam o príncipe para cumprimentá-lo, reverenciando-o quando ele se aproxima, etc. 
A ele seguiu-se a obra principal do programa, “Eine Frau Von Format”, que apresenta outro desses raros exemplos de sororidade no cinema dos anos de 1920, a respeito do que falei ao resenhar “Rivalen”, dois dias atrás. A trama é oriunda da opereta homônima de Michael Krasznay-Krausz, que estreou em Berlim em fins de 1927. 
 A dama do título é Dschillu Zileh Beu (uma encantadora Mady Christians), embaixatriz da Turquísia, a qual disputará uma ilha nas imediações de Silistria – que a princesa Petra (Diana Karenne) venderá para que possa renovar o seu guarda-roupa (“Você quer que eu ande nua”, ela questiona candidamente o seu ajudante de ordens quando anuncia-lhe a venda) – com o Conde Gézza von Tököly, o embaixador de Illyria. Malgrado o filme tenha início com a panorâmica de um mapa detalhando a localização de todos esses países, todos eles são ficcionais. 
A trama é repleta de quiproquós. Chega primeiro a Silistria o conde Gézza, de peito estufado, testa larga e bastos bigodes – o clássico tipo galanteador. Sua diplomacia se baseará em seus atributos físicos, o público logo verá. Ao descobrir que a princesa é uma jovem espevitada da idade do jazz-band, procurará conquistá-la a todo custo. 
Todavia, o conde não conta com a chegada à cidade de uma oponente à altura – aliás, superior a ele –, Dschillu Zileh Beu. Mulher moderna, que chega ao reinado sozinha e de carro, hospedando-se sem-cerimônia num pardieiro local. “Eu sou a diplomata”, ela diz ao ajudante de ordens da rainha quando ele lhe pergunta pelo marido dela. O filme flerta com a onda feminista que então chegava às costas da Europa e das Américas – flerta mas lamentavelmente não a desposa, já que a jovem terminará apaixonada pelo conde galante e decidida a largar o ofício, ensinando-o, todavia, a se transformar num diplomata tão aparatado quanto ela. 
No entanto, antes do desfecho temos a chance de observar o mais bem-humorado toma-lá-dá-cá entre os dois diplomatas, em que há mesmo uma notável cena em travesti, colocando em primeiro plano a fluidez entre os gêneros sociais, coisa que os figurinos e os cortes de cabelo da época já principiavam a fazer: procurando atrapalhar o conde na conquista da princesa, Dschillu, que já tem os cabelos cortados à la garçon, finge-se de camareiro do conde durante um jantar que ele oferece à jovem. 
Antes de Dschillu trocar a carreira pelo casamento, caberá a ela conquistar a ilha em disputa, não sem antes salvar Petra, fingindo aos presentes que a echarpe que a princesa incautamente esquecera na residência do Casanova de Illyria não pertencia mais a ela, mas sim fora um presente dela a Dschillu, a futura esposa do rapaz. 
Para além do entrecho interessante, o filme encanta pelas externas tomadas em Dubrovnik, na deslumbrante costa da Dalmácia.

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