O programa voltado às Riscoperte/Rediscoveries [Redescobertas] apresentou uma seleção bastante heterogênea de filmes: comédias e farsas, filmes naturais (alguns dos quais flertavam com a encenação), aventuras nas montanhas, na guerra e submarinas.
“Peg o’ the mounted” (Alfred J. Goulding, 1924) é uma comédia desopilante protagonizada pela adorável Baby Peggy, atriz realmente vocacionada para o métier – que partiu faz um par de anos e recentemente esteve na Giornate, apresentando uma retrospectiva de sua obra –, uma vez que se tratava de um bebê quando a série de filmes que ela protagonizava foram rodados. Neste ela é a responsável por prender uma quadrilha de bandidos que leva o pânico – construído, claro, do ponto de vista cômico, levando-se em consideração o próprio papel inusitado da criança transformada em polícia – às redondezas onde ela vive.
“Mr. Jack ducks the alimony” (C. J. Williams, 1916) foi o filme escolhido pela David Selznick School para ser preservado na Eye Film Institute este ano – o consórcio entre o Film Institute de Rochester, a instituição holandesa e a Giornate já data de algumas décadas. Trata-se de uma farsa verdadeiramente hilária que gira em torno do homem que decide se tornar soldado depois de descobrir que não precisaria pagar pensão à ex-mulher caso o fosse. A obra toma como foco os esforços, claro, canhestros deste inusitado combatente. É um bom exemplo de obra que volta uma visada cômica à sanguinária 1ª Grande Guerra, conflito contemporâneo ao momento em que ela foi rodada.
Denominado “Undersea Adventures”, uma porção do programa de redescobertas deste ano trouxe à baila filmes tematizando aventuras subaquáticas, rodadas em períodos e com técnicas e objetivos distintos. “Dans le sous-marin” (1908), por exemplo, é um filme de atrações que bebe consideravelmente da obra de Méliès. O filme tem início com o mergulho de uma maquete em cartolina de um submarino. No fundo do mar, uma trucagem mostra os peixes atravessando mergulhadores que tentavam destruir o veículo: tudo rodado no seco, como fazia Méliès (sequências soberbas dessas filmagens são reproduzidas no maravilhoso “A aventura de Hugo Cabret”, de 2012). Ao contrário das obras do mago-cineasta, este filme tende ao drama: os tripulantes do submarino se despedem de forma altissonante ao descobrirem que sucumbirão.
Já o norte-americano “Wonders of the sea” (1922), de Ernest Williamson, é uma obra surpreendente por vários motivos. Pela apresentação didática que faz do método de filmagem submarina do diretor, unindo as características do documental àquelas da fábula, já que a apresentação do fundo do mar é costurada pelos mergulhos de uma mergulhadora que o filme lê como uma sereia moderna. Pela leitura abertamente colonialista, a qual, ao mesmo tempo em que endeusa a jovem, objetifica o negro nativo das plagas onde o filme é rodado – a quem cabe, no filme, tarefas braçais como a de mergulhar em busca do peso que ela utilizara para conseguir chegar mais rápido às profundezas. Pela intervenção pouco ecológica que faz da vida marinha, já que precisa iluminar profusamente o fundo do mar para poder filmá-lo. E, não obstante, pela técnica surpreendente graças à qual o fundo do mar pôde se tornar conhecido do público.
Por fim, “The land of promise” (Yaackov Ben Dov, 1924) é um filme israelense exasperante, quando lido, hoje, à luz da invasão de Israel aos territórios palestinos, e da matança daí oriunda. Rodada no princípio dos anos de 1920, a obra faz alusão ao trecho bíblico concernente à terra prometida. Mostra a penetração paulatina de Israel pelo território que as escrituras sagradas consideravam seu por direito: a construção de acampamentos transformados, depois, em suntuosas residências. Sublinha o desenvolvimento industrial.
Deslinda os costumes do povo, as festas e danças típicas, a alegria típica desses eventos. Malgrado a histórica diáspora dos judeus e o holocausto que aconteceria nos anos subsequentes, não há como não observarmos este filme em relação com o que acontece hoje.
A música de José María Serralde Ruiz, pianista que acompanhou esta sessão, foi precisa; dramática e grave, caminhando mesmo a contrapelo da obra, nos momentos mais desopilantes dela, o que julgo um gesto crítico necessário: o acompanhamento musical produzido hoje em dia para o cinema silencioso, se por um lado precisa se historicamente informado, dialogando com o que se fazia durante a voga deste cinema, nem por isso deve deixar de ser crítico.
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