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Pôster de “Moxov Qiz” (1928) |
O programa Uzbekistan [Uzbequistão], ao menos para mim descortinou um mundo, em especial os filmes que receberam como acompanhamento a música apresentada pela dupla de musicistas do país que tocou instrumentos típicos.
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“Ikkinchi Xotin” [The Second Wife] (Mikhail Doronin, 1927), por exemplo, é a mulher que, vituperada pelo marido por não poder engravidar, vê-se obrigada a tolerar uma segunda esposa dele. Tal mulher lhe dá filhos, e então a narrativa bruscamente coloca-a como a sua personagem central. Ela torna-se vítima do repúdio da primeira esposa. Personagens muitas vezes de aparência semelhante multiplicam-se, ou então surgem em cena sem nenhuma explicação aparente, o que atrapalha a compreensão do espectador.
A pobre segunda esposa tenta a fuga do jugo do marido que, acreditando nos detratores, passa a tratá-la com violência. Ele, no entanto, a busca de volta – e a imagem dela voltando a pé, carregando o filho, de cabeça coberta, ao lado do marido a cavalo, aos nossos olhos de hoje dá-nos a prova lancinante dos costumes que nunca mudam, malgrado a passagem dos anos, no que concerne à submissão feminina.
Ainda mais duro, mas mais claro e realmente dilacerante é “Moxov Qiz” [La lebbrosa/The Leper], de Oleg Frelikh (1928). Nele, a jovem casadoura já tem uma mostra do comportamento do marido quando, arrumando-se para o seu casamento, é agredida por ele por exibir demais o corpo. A violência torna-se uma constante, ela procura escondê-la da mãe, que vê os seus hematomas. Pouco mais tarde, é estuprada por um oficial e acaba por se tornar a sua amante. O marido descobre o caso e praticamente a mata. O pai a recolhe e o processa, mas perde a causa porque a filha cometera traição.
Estamos aqui diante de um filme especial, que embora apresente elementos melodramáticos não é um melodrama: a jovem, submetida pelo homem que a princípio a força, acaba deleitando-se com ele, um melhor amante que o marido. Esta mulher, que segundo a óptica melodramática seria uma perdida, acaba ganhando a conivência da narrativa, que parece desejar sublinhar quão nocivos são certos costumes.
Ela e os pais são expulsos de suas terras. O pai também recebe sobre si a mácula que cai sobre a filha, e ela acabará vagando até simbolicamente adentrar um asilo de leprosos, tristemente abandonados no meio de uma paisagem árida. Ela, uma Anna Karenina uzbequistanesa, a quem a traição marca como a lepra, malgrado ela fosse a princípio forçada a fazê-lo e o seu marido fosse um pulha, acaba morta naquele ambiente inóspito, neste que é um dos filmes mais marcantes da 43ª Giornate.
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