Dia 2: domingo, 2 de outubro de 2021
O segundo dia da versão online da Giornate traz uma das rainhas da Era de ouro do cinema mudo hollywoodiano – e do evento deste ano –, Norma Talmadge. A obra, Yes or no (1920, 83 min.), dirigida por William Neill, é um veículo cinematográfico perfeito. Como Mary Pickford já fizera, aqui Talmadge interpreta duas personagens contrapontísticas, Margaret Vane e Minnie Berry, a sofisticada e fútil mulher da sociedade e a mãe da classe trabalhadora que se esfalfava para cuidar da casa e dos filhos.
A história tem um viés moralista claro, resultado de anos de burilamento da máquina de Hollywood. É impossível não o compararmos com o filme visto ontem, rodado apenas oito anos antes. Tal moralismo resvala-se para os longuíssimos intertítulos, que procuram cercear a interpretação do espectador das imagens que ele vê. Em síntese, afirma-se que todos (sobretudo as mulheres – o enquadramento da moral ao gênero é claro, já se vê), uma vez na vida, precisam responder a esta fatídica pergunta, “Sim” ou “Não”, quando o momento azado aparece.
No enquadramento melodramático do filme este momento é, claro, a relação amorosa, mais especificamente a extraconjugal. Margaret era a jovem esposa de um já maduro figurão da Wall Street. Minnie, esposa de um operário. Ambos os maridos negligenciam as esposas em prol do trabalho – enquanto o rico geria o seu patrimônio, o pobre lutava pela ascensão social.
Acompanhamos as duas histórias concomitantemente, costuradas pela personagem de Emma Martin (outra Talmadge, Natalie), empregada de Margaret e irmã de Minnie. A semelhança de ambas não é colocada em questão. A aproximação, aqui, funciona do ponto de vista dialético para justificar qual a atitude correta da mulher comprometida quando se vê solicitada por outrem. Tanto que, no desfecho, a montagem paralela ganha velocidade à medida que se aproxima o clímax da ação: cortejada por um almofadinha, a solitária Margaret se entrega a ele num longo e interessante beijo em close up – interessante por ser casto como os beijos das mocinhas, malgrado este fosse um caso extraconjugal; enquanto Minnie foge da perseguição brutal do homem que alugava um quarto em sua casa.
A moral do filme procura servir às ricas e às pobres, e não economiza no viés preconceituoso para enquadrar de que modo a traição se consumaria em cada caso – ainda que, no segundo caso, se tratasse de uma tentativa de estupro, e não de um gesto consentido. Sem entrarmos, aqui, no mérito da questão, o “sim” de Margaret leva-a ao abandono do marido – que apenas não se consuma porque ele infarta ato contínuo à notícia de que ela o deixaria –, enquanto o bem gritado “não” de Minnie faz com que o marido a salve da agressão.
Um lapso temporal procurará provar ao público qual a atitude certa: um ano depois, a viúva Margaret jaz ainda mais solitária em sua rica casa de campo, já que o almofadinha a abandona, enquanto Minnie espana a casa dos sonhos e acaricia o marido que viera de fazer fortuna porque, vendo-a lavar roupas, tem a ideia de inventar a máquina de lavar que revolucionaria a vida da família.
Não me debruço nos sentidos óbvios dessas construções. Filmes como esse servem ao status quo. Neles, a mulher é objeto do homem, serve ao seu desejo, sendo descartada quando não mais o faz. Mas o ranço conservador de Yes or no fica num segundo plano, olhando agora mais de cem anos depois de sua rodagem, quando pensamos nele a partir do ponto de vista da – num só tempo – deslumbrante e poderosa Norma Talmadge, que, ao desempenhar papéis tão contrastantes, explicita, na bidimensionalidade da fita, a profundidade feminina.
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