Dia 8: sábado, 8 de outubro de 2021
Derradeiro dia da Giornate. Duas obras do período final da arte muda nos foram exibidas em dois programas diferentes, ambas norte-americanas, um drama e uma comédia: The Lady (de 1925, dirigido por Frank Borzage, 85 min.), acompanhada ao piano por Daan Van Der Hurk, e Up in Mabel’s Room (1926, Mason Hopper, 79 min.), que teve acompanhamento musical de Günter A. Buchwald e da Zerorchestra. Antes do drama de Borzage foi igualmente exibido o curta Japan I Fest (Japan festivals, circa 1914-16). Cada programa será aqui apresentado numa resenha separada.
Como destaca Jay Weissberg, diretor do festival, o curta faz parte dos 4% da produção silente japonesa que resistiu ao tempo. Trata-se, portanto, de uma preciosidade, a qual foi localizada na Nasjonalbiblioteket, em Oslo/Mo i Rana – nem o título, nem a data de sua produção remanescem, tendo sido ambos atribuídos pela instituição que localizou a obra.
Duas cerimônias nos são apresentadas, o ritual de encontro dos sacerdotes budista e Shintō e a procissão Tayū Dōchū. A segunda delas tem um destaque incontornável – foi a partir da data deste desfile, documentação que resistiu ao tempo, que se pôde datar o filme. Trata-se do desfile das Oirans, cortesãs de categoria mais elevada que as gueixas, que poderiam oferecer favores sexuais – com exceção da Tayū, a mais elevada categoria entre elas –, além de serem cultivadas nas artes tradicionais. Assim, moças e menininhas que mal se sustentam nas pernas sucedem-se umas às outras, desfilando maquiagens que as assemelham às bonecas de porcelana e belos e pesados trajes. Suas chinelas de altas plataformas e seus passos cruzados terminam por as destacar dos demais mortais que as observam aos milhares, muitas vezes maltrapilhos e encardidos. O Japão que se perdeu na poeira dos tempos surge aqui com todo o seu esplendor e o exotismo que tanto atraiu as plateias ocidentais à época.
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O catalisador da narrativa da senhora é a chacota que ela sofre de um frequentador do seu estabelecimento quanto diz a ele que é uma lady. A partir dos flashbacks, observamos que ela passou uma vida tentando atingir o status de dama, desde quando, ainda jovem, foi rechaçada pelo sujeito com o qual se casara (um típico almofadinha, formado nos rapapés da sociedade, mas raso como um pires e de moral claudicante) porque ela não compreendia o jogo social. Polly pare um filho deste relacionamento no reles boteco de beira de cais no qual ela passa a trabalhar.
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Todavia, quererá o destino, essa entidade tão querida ao melodrama, que a mulher o encontre quando termina de contar a história, em seu próprio bar, após um tiroteio ter lugar ali. O dispositivo de reconhecimento, outra tópica do gênero, é aqui bastante criativo: o rapaz jaz desmaiado nos braços da mãe incrédula, sendo reconhecido pela pulseira com o seu nome que ele traz no pulso, já que faz parte de um batalhão. Quando ele acorda, ela procura, sem se desvelar, assumir para si o tiro que, na confusão, ele dera no próprio amigo. É uma “perfeita lady”, afirma-lhe o seu interlocutor, atribuindo a si o epíteto que a vida toda lhe fora negado. Também o menino fora criado para ser um cavalheiro, ela constata, já que não aceita que ela purgue pelos seus erros.
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O páthos melodramático é mobilizado com eficácia notadamente por Norma Talmadge, que, num desempenho contido, não só é a dama como é a mãe arquetípica. O talentoso pianista Daan Van Der Hurk mimetiza-a, desenhando a ação musicalmente com calidez despida de pieguice. Esses dois filmes protagonizados por Norma Talmadge foram um convite assertivo ao público da Giornate para que a obra desta ótima atriz da arte muda seja conhecida em sua extensão.
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