Dia 1: sábado, 2 de outubro de 2021
A COVID-19 continua deixando a sua marca na Giornate de Pordenone, que este ano acontece de forma híbrida. Ano passado, o sucesso do evento totalmente online levou a sua organização a investir novamente neste formato, realizando, paripassu, a sua versão mais ampla no formato presencial (o programa completo pode ser baixado aqui). Portanto, a 40ª edição retorna de forma celebrativa ao seu sítio costumeiro, efetivando um papel primordial que ela teve nos idos dos anos 80, quando passou a ser realizada na cidadezinha recentemente sacudida por uma intempérie da natureza, para elevar o moral de seus habitantes.
A sua edição online rompe mais uma vez as fronteiras que desde o ano passado dificultavam o encontro físico. Ao longo desta semana de Giornate, este blog será reanimado pelo cinema muto, comentando os filmes exibidos diariamente em sua plataforma digital. Interessados, inscrevam-se no link a seguir, e organizem-se para assistir aos programas diários em até 24 horas do seu lançamento, após o que o seu acesso é impossibilitado: https://www.mymovies.it/ondemand/giornate-cinema-muto/.
Jokeren (The Joker/Il Jolly/Na roleta da vida, Georg Jacoby, Dinamarca, 1928)
Os estertores do cinema mudo produziram algumas de suas maiores pérolas. “Jokeren”, obra exibida no primeiro dia do evento online, é exemplo disso. A cidade de Nice, na Riviera francesa, é ali uma de suas personagens primordiais. Em primeiro plano está o seu carnaval, celebérrimo até os anos que antecederam a segunda guerra, cujos desfiles são temática incontornável da cinematografia do princípio do século XX.
Porém, Miles é um escroque: sua compleição seca e o bigode escovinha talham-no fisicamente à personagem do vilão. Não bastasse, a abertura da obra apresenta, em seguida ao plano geral da cálida e repleta orla de Nice, o quarto desorganizado e sujo do advogado, verdadeiro covil, onde dormem ele e os convivas da festa passada. Descobrimos, ato contínuo, que o homem deve dinheiro a deus e ao mundo, devido ao seu vício no jogo. Ele encontra em Lady Powder (Renée Héribel), a dama em questão, uma mina de ouro. Descobrimos a jovem a seguir: a ampla vila que ela divide com o marido Herbert (Gabriel Gabrio, do maravilhoso “Les Misérables”, 1925), o pequeno filho e a irmã.
O sofrimento da jovem se duplica com a perseguição de Miles, que abre mão de qualquer ética profissional para explorá-la. Com a ajuda de sua irmã Gill, ela procura reaver os documentos. A certa altura, seu marido teme a mácula do nome dele e a esposa permite que a irmã assuma a culpa pelo caso incauto e seja despejada de casa – vê-se que esse é um roteiro escrito por um homem (na verdade, dois, o diretor e Jens Locher). A maioria das mulheres têm ombridade para não permitir isso, especialmente quando o escroque decide que desejará como paga o casamento com Gill, e enceta consigo uma perseguição sexual que, hoje, serviria de gatilho para muitas vítimas de assédio.
Não obstante, sabemos que a tempestade se segue à bonança no âmbito do melodrama. Para tanto, o “coringa” Mr. Carstairs (Henry Edwards) do título exerce papel fundamental. A sua fantasia carnavalesca é duplo de sua sorte no jogo e versatilidade social. Cabe a si, para além de virar o jogo na ação, matizá-la com alívios cômicos fundamentais ao gênero – por exemplo, o modo como ele subtrai as cartaz de Miles, no desfecho da ação, fazendo uso de um diretor cinematográfico e de uma forte luz de cena (o cinema aqui, como em tantas vezes, falando sobre si).
Um comentário:
Otima crítica, Dani!
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